Três coisas que você precisa dizer às pessoas que lhe são importantes
Esses dias disse a uma amiga que ao completar 40 anos você entra no período mais produtivo da vida. Você passou duas ou três décadas aprendendo a jogar e aos 40 atinge o auge da habilidade técnica, da inteligência tática e do vigor físico.
Nas idades de 40 e 50 (eu ingresso na segunda metade desse período ano que vem), você caminha num platô, com alguma estabilidade, jogando o melhor do seu jogo, e colhendo um bocado de tudo o que plantou – para o bem e para o mal.
Em seguida, suponho eu, a partir dos 60, alguns elementos na sua capacidade de trabalho começam inexoravelmente a evanescer. Seu ápice produtivo é cada vez mais uma imagem no retrovisor.
(Isso não é regra universal, nem precisa espelhar a realidade de ninguém. Estou, como sempre, falando de mim. Com a esperança de que, com isso, possa contribuir para que essas coisas aconteçam com você de um jeito muito mais bacana.)
A partir de um ponto na vida, depois do pico da meia-idade, em termos profissionais, sua técnica começa a ficar defasada. E você tem cada vez menos paciência para se reciclar, para aprender coisas novas. Você começa a deixar de lado a ansiedade do Fear of Missing Out (FOMO), a angústia de não estar atualizado com as últimas novidades, e de perder oportunidades por causa disso, e começa a abraçar o regozijo do Joy of Missing Out (JOMO) – a alegria de não precisar saber de tudo, a tranquilidade de deixar alguma bolas caírem propositalmente no chão.
Num mundo que gira cada vez mais rápido, em ciclos curtíssimos, é claro que essa postura relativamente ensimesmada, um pouco mais lenta, trazida pela idade, lhe torna inevitavelmente obsoleto num par de anos. Desatualizado em relação ao mercado e provável mais atualizado do que nunca em relação aos próprios interesses.
A sua capacidade tática tende a erodir com o passar dos dias. Você começa a se tornar um velho em meio a jovens que falam outra língua, têm outros valores, e parecem vir de outra cultura, com outra atitude e outra ética de vida e de trabalho. Já não é tão fácil tabelar.
O abismo semântico se estabelece, a capacidade de compreensão do mundo ao redor vai se reduzindo. Você começa a ficar inevitavelmente careta e conservador.
Logo você que um dia foi o novo entrante que trouxe a inovação e representou ameaça aos bem-estabelecidos. Pois bem: você se tornou o paradigma, navegou quilômetros no mainstream, e agora é apenas justo que seja sua vez de ser superado.
Afinal, o mundo que lhe formou não existe mais. Você não conhece mais a cantora que ganhou tudo no Grammy, nem a banda que está arrebentando no Spotify. Não acompanha mais o surgimento de novos ídolos no YouTube ou na Netflix. Nunca entrou no SnapChat ou no TikTok. Seu ator favorito se aposentou. Sua banda predileta acabou.
Por fim, o vigor físico acompanha a decadência do frescor mental. O entusiasmo anímico de fazer coisas incríveis, que lhe tragam satisfação pessoal e que marquem a sua passagem pelo mundo, parece ir secando. Começar projetos novos – mesmo aqueles que você estava guardando para essa fase da vida, como aprender a tocar violoncelo ou a falar italiano – é uma decisão que enfrenta cada vez mais resistência interna.
A ampulheta é cruel. As costas doem, os joelhos doem, os olhos já não enxergam direito. Você começa a ficar surdo – e só com muita sorte tufos de pelos alienígenas não começarão a brotar em seus ouvidos. Você fica mais cansado, tudo demora mais. As visitas ao médico deixam de ser protocolares e passam a se tornar necessárias – os discos vão ficando gastos, como dizia meu avô, em sua linda analogia mecânica e rural.
É nesse momento que a morte dá um passo à frente. Ela, que sempre esteve imóvel no horizonte, como um elemento fixado num canto remoto do seu painel de controle, começa uma rota de aproximação que seguirá, devagar e sempre, até que vocês se encontrem.
Em termos metafóricos, ela chega quando você perde a curiosidade pelo novo, quando seu coração começa a se aquecer mais com o passado do que com o futuro, quando você busca resolver questões grandes e pequenas que ficaram para trás em sua vida, numa busca por reencontrar a si mesmo e ao seu próprio tempo perdido, em vez de se dedicar a novas questões.
A cada novidade trazida por filhos e netos que você escolhe não compreender, a cada vez que você pensa ou diz "no meu tempo…", ao ser confrontado por novos modos de pensar e de fazer, a morte metafórica dá mais um passo na sua direção.
A morte física também começa a aparecer no radar. Tudo dando certo, você chegará com boa dose de saúde ao fim do seu ciclo natural – depois dos 80, talvez dos 90. Tudo dando certo, você irá embora sem dor, de modo sereno. Tudo dando certo, você não enterrará ninguém querido que seja mais jovem que você.
Ainda assim, você enterrará seus velhos. Seus pais irão embora. Como seus avós provavelmente já foram. Você assistirá à debandada da geração anterior à sua, dentro da família. E fora dela. Tios e tias queridos. Seus ídolos artísticos. Suas referências profissionais.
Depois, será a hora de se despedir de seus contemporâneos. Amigos. Irmãos. Colegas. Uma dura temporada de despedidas escalavrantes e inapeláveis começa – para não se encerrar jamais.
É natural que seja assim. Você sempre soube. Mas como dói. O sofrimento da perda é insuportável quando se abate sobre a gente. Já castigava de modo antecipado. E jamais deixará de machucar.
Diante desse cerco imposto pela finitude, a nossa e a dos outros, o que nos resta?
Viver. Muito. Todo dia. A começar por hoje.
A morte sempre esteve lá. Você sempre soube que um dia tudo iria acabar. A boa notícia é que, ultrapassado o cume da vida (parabéns, você chegou até aqui!), descendo a longa encosta do outro lado, você tem agora a chance de usar o tempo que lhe resta para fazer tudo que ainda precisa ser feito.
Envelhecer, portanto, também é a oportunidade de dizer as coisas bacanas que gostaria ter dito e não disse a todas as pessoas bacanas que cruzaram com você.
Agradecer a todos que lhe ensinaram ou que contribuíram de alguma forma com sua trajetória. Dizer "muito obrigado" olhando no fundo do olho de quem sempre torceu por você, de quem fez o que podia para que você vivesse melhor.
Será a hora de pedir desculpas a todos que você de alguma forma feriu ao longo da vida. Beijar as cicatrizes daqueles que você lastimou, de modo voluntário ou não. Dizer-lhes "me perdoe", com um abraço sincero.
Será também o momento de perdoar. De aliviar a culpa de quem se arrependeu do mal que lhe causou. De zerar a dívida de quem tomou a iniciativa de retirar algo que lhe disse ou de reparar algo que lhe fez.
Envelhecer talvez seja adquirir a maturidade de olhar para cada novo dia, sem exceção, como uma última oportunidade. Os dias adiante são escassos, você já sabe. E eles não ficarão mais abundantes. Então só lhe resta utilizá-los bem.
Você não estará fazendo isso pelos outros – você estará fazendo isso principalmente por você.
Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Draft Canada. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.
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