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Adriano Silva

Quando é hora de desfazer a amizade com alguém nas redes sociais?

Adriano Silva

26/08/2019 13h42

 

Faz sentido desfazer uma amizade por conta de opiniões divergentes?

Faz sentido na vida real? Faz sentido nas redes sociais?

Se você se afastar de todo mundo que pensa diferente, vai acabar trancafiado numa bolha, entre iguais. Você só ouvirá ideias às quais já está acostumado, será apresentado somente a opiniões iguais às suas, estará exposto apenas a atitudes das quais já compartilha.

Isso, de um lado, pode ser bem medíocre. No sentido de que uma situação assim, artificialmente controlada, lhe protege no mundo e não lhe permite crescer.

Você não precisará defender seu ponto de vista, o que é sempre um teste às suas convicções. Você não será desafiado a rever seus conceitos, diante do que o outro pensa ou tem a dizer. No fim do dia, essa zona de conforto pode ser bem entediante. Quem consegue almoçar e jantar sempre o mesmo prato, sem jamais experimentar uma comida diferente?

A vantagem dessa estratégia, no entanto, é a sensação de que ao menos dentro dessa estufa protegida que você criou para si mesmo o mundo soa menos contraditório. Ou pelo menos mais alinhado aos seus pontos de vista, à sua lógica – e às suas próprias contradições.

Como muita gente, ao longo de 2018, em especial na reta final da campanha presidencial, desconectei uma série de pessoas nas redes sociais. E perdi um bocado do interesse por outras na vida real também.

Tomei essa decisão diante de divergências irreconciliáveis. Eis o ponto: admito opiniões diferentes da minha. Não sou o dono da verdade. Já mudei de opinião muitas vezes na vida. Estou sempre aberto ao contraditório, disposto a ouvir o outro lado, a aprender algo que ainda não sei. Tenho, na verdade, certo prazer no desconforto de, diante de uma argumentação que faça sentido, atualizar as minhas crenças sobre determinado assunto.

Mas há alguns axiomas que são fundantes, que estabelecem fronteiras éticas, e que não é possível relativizar. Democracia, liberdade, busca do bem-estar dos seres humanos (e dos demais seres vivos também) e da verdade, honestidade (inclusive a intelectual), defesa da dignidade, da Sustentabilidade, do direito à integridade física e emocional, entre outros itens, estão entre os valores que considero universais e, ao mesmo tempo, pessoalíssimos.

Portanto, declarações de ódio, preconceito e discriminação de qualquer sorte, celebração da violência e do autoritarismo, desrespeito e indignidade impostos a outros seres, humanos ou não, indiferença perversa ou injustiça deliberada, são pontos de corte seco e imediato no relacionamento. Porque eles revelam do outro lado uma estirpe de pessoa de quem eu quero distância, com quem simplesmente não quero me relacionar.

Ou seja: na maioria das vezes, não é a opinião em si que gera a desconexão, mas o que ela revela sobre o interlocutor. Tenho desistido sumariamente de quem se revela – às vezes com orgulho – um mau caráter, um pulha, um sádico.

(Bem, outro motivo óbvio de afastamento é a agressão direta, o xingamento. Isso é bem comum em redes sociais. E revela muito também sobre quem é a pessoas que está do outro lado da tela.)

Alguém dirá que, melhor do que desligar esse tipo de indivíduo, melhor seria apresentar argumentos que pudessem fazê-lo mudar de ideia. Isso, no entanto, passa por uma doação de tempo e de energia que eu, confesso, não tenho mais condição de realizar. Inclusive porque já sou velho o suficiente para saber que ninguém muda ninguém – as pessoas é que mudam a si mesmas, não somos nós que as mudamos.

Exceto por um círculo de pessoas muito restrito, quase familiar, onde um contraponto a ideias obscurantistas (e, sim, esse tipo de ideia pode aparecer bem do seu lado na mesa do almoço de domingo) ainda vale, talvez, o desgaste e a saliva, chego a um ponto da vida, e do autoconhecimento, em que já sei que não tenho mais minutos a gastar com o suposto polimento da bruteza alheia. Já tenho a minha própria para polir.

Trata-se de uma certeza a meu próprio respeito – não sou um ativista. Não tenho essa capacidade admirável de doação. (Acho tocante aquelas pessoas que vão para a rua dispostas a conversar, vestindo uma camiseta em que pedem para que as outras tentem mudar sua opinião sobre determinado assunto.) Minha contribuição ao próximo, e ao entorno, aquela que eu tenho para dar, é, se tanto, gerar um bom exemplo, ser correto e justo, nas palavras e nas ações.

Não disponho, de fato, de recursos para ensinar ninguém, além, talvez, dos meus próprios filhos – o que não quer dizer que alguém não possa eventualmente aprender alguma coisa com o que tenho dito e feito ao longo da vida.

Claro que, no limite, essa atitude de não combater a sombra é um problema: a escuridão, quando ninguém a enfrenta, vira noite profunda, e engole todo mundo, inclusive aqueles que quiseram proteger seus míseros raios de sol numa redoma privada.

Mas, confesso, não consigo enxugar esse gelo. Publico com certa frequência minhas opiniões nas redes sociais, me exponho, procuro não ficar isento diante das grandes questões. (Na reta final da eleição de 2018, por exemplo, publiquei 17 longos artigos me posicionando diante daquele enamoramento do país pelo populismo de direita e pela sedução do fascismo.) Mas raramente entro em discussões nos posts, por exemplo. Cada um contribui com o pode, até o limite do que consegue fazer.

Eis o ponto: cada vez mais, ao topar com gente com quem percebo que teria grande desprazer em sustentar uma conversa ou dividir uma mesa, opto pela desconexão. É um direito que me dei. Admitir que tem gente que não vale a pena. E optar por não manter relações com elas.

Não sei se essa é a melhor regra para gerenciar suas amizades, reais ou virtuais. Mas é que tenho utilizado para gerenciar as minhas.

E você, como tem lidado com isso?

 

Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Draft Canada. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.

Sobre o Autor

Jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico.