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Adriano Silva

O que a “arrogância” de Megan Rapinoe diz sobre nós

Adriano Silva

12/07/2019 10h00

 

Estava vendo o discurso da Megan Rapinoe na parada que Nova York armou para receber as tetracampeãs mundiais. Duas coisas me chamaram a atenção na fala e na postura da capitã da seleção norteamericana de futebol feminino:

Primeiro: Rapinoe é muito segura de si mesma. Ela não faz a falsa modesta. Nem tenta conquistar dando uma de humildezinha. Na cultura americana, que incensa os vencedores, o campeão não precisa fingir constrangimento com o fato de ser o melhor. O que alguns podem considerar arrogância, o famoso "tá se achando", é apenas uma postura natural de quem ralou muito, deu 100% de si, e chegou lá.

Ninguém deu nada para as campeãs. Elas conquistaram o que agora é delas. A posição que ocupam, portanto, vem de merecimento, de pura ralação, de talento lapidado na faina. Não deve haver espaço para embaraço ou para culpa ou para remorso. O topo é delas por justiça – até que alguém, por justiça também, as tire de lá.

Você não precisa ser queridinho, simpatiquinho, amigo das crianças e das borboletas. A admiração que os outros têm por você vem do seu trabalho duro, da sua performance ímpar – você não precisa ficar sorrindo candidamente para a câmera.

Os americanos, acostumados a um ambiente muito competitivo, entram sempre para ganhar. Para tanto, se colocam inteiros na competição, dispostos a ir até onde a maioria dos demais não considera ir em busca da vitória. Eles estão sempre dispostos a caminhar a famosa "extra mile". Trata-se de uma atitude, de um estado mental. E também de um não poupar-se em termos físicos, de tempo e de esforço investidos na obtenção dos louros.

Rapinoe, como tanto outros campeões americanos, equilibra-se muito bem nessa estreita faixa entre saber-se melhor que os demais e ter a consciência do que foi realizado para que esse desempenho superior pudesse existir. Não cai do céu, ela não é melhor do que ninguém – ela se tornou melhor, porque trabalhou mais. Esse é, paradoxalmente, um bom antídoto contra a soberba.

Segundo: como os americanos, de modo geral, são articulados, sabem falar. O pensamento pode ser idiota (não é o caso da Rapinoe), mas eles sabem montar um speech. (Aqui no Brasil, temos, talvez, nos cariocas, nossos melhores oradores. Cariocas, de modo geral, falam bem. Talvez porque gostem de se ouvir. E suas frases são, de fato, sonoras.)

Essa competência norteamericana talvez venha do fato de que eles têm aula de debate na escola. Você aprende desde cedo a discordar, discutir, falar em público, apresentar argumentos, montar seu discurso de forma assertiva e sedutora, encontrar pontos frágeis no discurso adversário, para explorá-los de modo a pô-los por terra.

Ou talvez isso aconteça porque a turma, por lá, cresce na terra do marketing, em que todo mundo está sempre vendendo ou comprando alguma coisa, e, portanto, negociando as condições da transação em curso. Isso parece acontecer de modo muito mais aberto, direto e transparente do que em outros lugares do mundo. Então a pessoa vai desenvolvendo essa postura business minded. Todo mundo precisa ter um pitch debaixo do braço.

Pense no abismo entre as genialidades que Pelé fez dentro de campo e as mediocridades que ele disse fora dele. Pense nas bobagens impensadas que Anderson Silva perpetrou tantas vezes diante de microfones. Compare as falas de LeBron James ou de Stephen Curry, ou de qualquer outro grande atleta americano, que são sempre os melhores porta-vozes de si mesmos, com o estilo grosseiro de Oscar ou com a afasia de Ayrton Senna.

É raro um ídolo do nosso esporte que não nos cause alguma vergonha alheia ao abrir a boca. Talvez, também, pelo fato de que boa parte dos campeões americanos tenha passado por uma universidade, enquanto boa parte dos nossos campeões tenha uma instrução precária. Para eles, o esporte anda junto com a educação. Para nós, o esporte é um escape para quem não teve condições de estudar.

Como resultado, é como se os caras tivessem nascido com um diploma de media training, e a gente não. Mas eis o ponto: ninguém nasce com nada pronto, nem com nada impossível de ser obtido. Nessa falsa dicotomia, aliás, mora todo o nosso engano – os caras têm porque construíram, foram batalhar, aprenderam. A gente não tem porque espera vir pronto. E quando não vem (e em geral não vem, porque não é assim que as coisas acontecem) a gente não investe muito em adquirir.

 

Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.

Sobre o Autor

Jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico.