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Adriano Silva

Autoconhecimento: o mais doloroso e eficaz exercício que você pode realizar

Adriano Silva

14/01/2020 17h27

Autoconhecimento é fundamental.

Essa é uma frase fácil de escrever – um clichê. E coisa muito difícil de fazer.

Trata-se de se olhar no espelho, olho no olho, buscando entender de verdade quem está ali, diante de você.

Trata-se de tentar compreender essa figura que lhe acompanha aonde quer que você vá, e que às vezes age um amigo do peito, e que outras tantas vezes assume o papel de um inimigo íntimo.

Essa é uma companhia que você sempre teve e sempre terá, independente de ela lhe ser agradável ou não.

Autoconhecimento é um dos exercícios mais dolorosos a que um ser humano pode se submeter.

É assustador não saber direito quem você é – mas é muito mais assustador conhecer alguns dos seus aspectos e funcionamentos que você talvez preferisse ignorar.

A gente fantasia muito sobre si mesmo. Conhecer-se é trocar a fábula pela reportagem. É enxergar a diferença entre o que é ficção e o que é documentário a respeito de nós mesmos.

O autoengano é uma muleta. É um oásis. É um colo tépido que a gente mesmo se dá.

Romper com essa versão sempre edulcorada de nós mesmos, em nome de encarar os fatos, é duro. É, muitas vezes, insuportável.

E, no entanto, é preciso conhecer a si mesmo. Ou você jamais conseguirá lidar consigo mesmo do jeito certo.

Um primeiro passo possível na trilha do autoconhecimento é tentar entender o que você está sentindo. Reconhecer o sentimento que lhe toma por dentro. Procurar, encontrar, analisar o que se passa dentro de você.

Essa é uma conquista importantíssima. Quantas vezes tem algo que lhe incomoda e você simplesmente não sabe o que é? Tem gente que vive a vida com esse zumbido dentro da cabeça. Sem conseguir lhe dar um nome.

Aí a pessoa culpa a mulher, o marido, os filhos, os pais, o trabalho. Ou escolhe uma parte do seu corpo para responsabilizar – dores físicas são mais bem aceitas, socialmente, do que dores psíquicas. Ou veste uma síndrome ou transtorno, como a um casaco de grife: mania/depressão, obsessão/compulsão, ansiedade/pânico etc.

Tudo em nome de nomear aquela dor de algum jeito. Mesmo sem conhecê-la de verdade.

No entanto, saber o que você está sentindo não significa compreender por que você está sentindo aquilo. O que lhe faz sentir assim. Como se formou aquele sentimento? De onde ele vem?

E, mais importante que tudo, como resolvê-lo.

Não adiantará encher a cara, nem tomar comprimidos para dormir ou para acordar, nem tiranizar o colega de trabalho mais vulnerável, nem se entupir de açúcar e carboidratos, nem arrancar as próprias cutículas com os dentes.

Sem compreender a sua dor, sem admiti-la, sem atuar sobre as suas causas e gatilhos, não há chance de erradicá-la.

Em suma: ou você empreende essa jornada para dentro de si, ou continuará para sempre vivendo com um escravo daquilo que não conhece em si mesmo.

A questão é que o exercício de autoconhecimento parece muitas vezes doer mais que a própria dor que nos aflige. Então a gente prefere ir levando. Tratando o sofrimento com paliativos, em vez de atacá-lo pela raiz.

Assim, a gente vive metade do tempo nutrindo, de modo deliberado, uma imensa ignorância acerca de nós mesmos.

E a outra metade a gente gasta se enganando sobre quem somos, sobre o que podemos, sobre o que significamos para os outros, sobre o que as coisas ao redor representam de verdade para a gente.

Gostaria de afirmar o seguinte: não há pior mentira do que aquela na qual você mesmo acredita. Isso está na base do autoengano: criar uma narrativa a respeito de si mesmo, e dos eventos que acontecem dentro e fora de você, e não apenas "vender" esse conto aos demais, mas de fato acreditar nele.

Essa relativa boa-fé, de acreditar no próprio engodo, não o atenua. Nem lhe inocenta do estelionato social e da mitomania – que é uma espécie de estelionato pessoal.

Ao contrário: acreditar na própria mentira só a torna mais perigosa. Especialmente quando você está mentindo sobre você mesmo. Especialmente quando você está mentindo para si mesmo.

É quando a inverdade deixa de ser incidental e se torna parte da sua infraestrutura. É quando o fake news íntimo e a "pós-verdade" individual passam a definir, com toda a falsidade que carregam, quem você é. Ou melhor: quem você não é. (Inclusive para você mesmo.)

Ser seu melhor amigo não é passar a vida se chicoteando. Mas também não é ficar o tempo todo passando a mão na própria cabeça. Porque isso significa, no fim do dia, passar a perna em si mesmo.

Ser seu pior inimigo é ficar se fustigando a todo momento, cutucando seus pontos nevrálgicos, explorando suas próprias fragilidades em busca de causar a si mesmo sofrimento e humilhação.

Mas ser seu pior inimigo, às vezes, significa também oferecer guarida e adubo às fantasias que você cria acerca de si mesmo. E que lhe afastam do que há de mais verdadeiro em você.

E eu em verdade lhe digo: só a verdade liberta. Por mais dura que ela seja.

 

 

Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Draft Canada. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.

Sobre o Autor

Jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico.