Topo

Histórico

Adriano Silva

Somos brasileiros: usurpados pela esquerda e humilhados pela direita

Adriano Silva

10/09/2019 12h29

A gente, no Brasil, chegou num ponto surreal. Surreal mesmo, no sentido exato da palavra. A cada novo dia temos a confirmação de que estamos vivendo uma espécie de sonho ruim.

Estamos trancafiados num ambiente kafkiano. Despencamos pelo buraco de Alice e o que há aqui embaixo não é o país das maravilhas. As declarações são cada vez mais inacreditáveis. Os movimentos da sociedade brasileira são espantosos. Terra em transe.

A ideia de país exótico, inconfiável, ilógico, de difícil compreensão, que sempre nos definiu, e da qual em raras janelas em nossa história conseguimos nos distanciar, voltou a nos cobrir integralmente.

O dualismo entre direita e esquerda – sem que ninguém consiga compreender, nem muito menos explicar, o que se quer dizer com esses termos –, que orientou o bate-boca nos últimos cinco anos, está sendo substituído por uma nova dicotomia: o bom senso e a porralouquice, o pensamento minimamente lógico e a bravata, a honestidade intelectual e a mentira deslavada (sendo as fake news apenas uma das várias facetas dessa prática), os valores seculares e o transe messiânico, as verdades científicas e a alucinação coletiva, o respeito ao próximo e o discurso de ódio, a civilização e a barbárie, um Brasil que tenta se tornar uma nação minimamente digna e um Brasil que quer mais é ir para a periferia do mundo perpetrar barbaridades.

Mas não imagine que essa nova dicotomia represente uma oposição entre direita e esquerda. A ideia de que a direita é uma turma de brucutus, uma gente burra e insensível, tem crescido no Brasil. Bolsonaro e sua turma estão desmoralizando rapidamente a direita rábica com a qual milhões de brasileiros se engraçaram (ou cujo poder destruidor subestimaram) no ano passado.

É preciso ser muito sectário e abraçar o fanatismo para continuar acreditando no caminho da bala, do porrete e do exorcismo de palco, em nome de se posicionar contra a esquerda.

No entanto, a ideia de que a esquerda é o antídoto contra tudo isso, de que a esquerda é aquilo que está do lado oposto da mesa, a depositária das nossas esperanças e das nossas boas intenções, é uma ideia que caducou. A enorme corrupção e o projeto de poder tentacular do PT desmoralizaram a esquerda e seu discurso de ética inegociável e de eterno bom-mocismo.

É preciso ser muito sectário e abraçar o fanatismo para continuar acreditando no populismo de palanque e nas palavras de ordem da esquerda, em nome de rechaçar o crescimento da direita.

Minha ojeriza a Bolsonaro não me faz vestir uma camiseta Lula Livre. A inépcia desse governo até o momento não me faz acreditar que a administração Dilma não tenha sido um desastre.

A eleição de Bolsonaro em 2018, na figura de "mito", precisamente pelas barbaridades que bradou, é tão absurda quanto a reeleição de Dilma em 2014, na figura de "guerreira", invocando sua imagem de jovem militante antiditadura, depois de um primeiro governo pífio.

Eis o ponto em que nos encontramos: fomos traídos, enganados, usurpados pelo governo de esquerda; agora estamos sendo humilhados, agredidos, constrangidos pelo governo da extrema direita.

Não dá para continuar sob os coturnos de um maluco armado como Bolsonaro. Nem voltar para o sufocante abraço de urso do governo do PT.

Para onde ir? O que esperar das próximas eleições? (Já ano que vem elegeremos milhares de prefeitos e vereadores nos 5 570 municípios brasileiros.) O PSL e seu reinado militar-neopentecostal irá adiante? Bolsonaro está derretendo – ou, ao contrário, está se fortalecendo – com seus desmandos?

O Partido Novo, do reprochável ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, um dos grandes apoiadores do governo Bolsonaro até aqui, já envelheceu? Terá condições de se oferecer com uma alternativa liberal consistente para o país, tendo sido tão conservador e tão árido até aqui?

Que opção surgirá do campo da esquerda ou da centro-esquerda? Continuaremos sendo eternamente governados pelo Centrão  o grosso dos deputados e senadores que está em Brasília para negociar vantagens pessoais com o seu voto e com dinheiro público?

Sobretudo: o que nós, como sociedade, estamos aprendendo com tudo isso? Votaremos melhor? Produziremos melhores candidatos, com melhores plataformas?

E aqui embaixo, na vida cotidiana, seremos cidadãos mais éticos e menos corruptos? Seremos pais e mães e irmãos e maridos melhores? (Enquanto não evoluirmos aqui, na micropolítica do dia a dia, não temos o direito de esperar nada de Brasília.)

 

Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Draft Canada. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.

Sobre o Autor

Jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico.