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Adriano Silva

As críticas ao VAR revelam nosso apego ao passado e à imprecisão

Adriano Silva

10/04/2019 17h58

 

Bem, amigos, é o seguinte: não faz o menor sentido criticar o VAR – o Video Assistant Referee, ou Árbitro Assistente de Vídeo, sistema que permite que o juiz da partida de futebol, que atua no campo, em tempo real, dependendo apenas dos seus parcos sentidos, e da atuação de seus auxiliares, tão humanos e falíveis quanto ele, revise lances, antes de confirmar suas decisões, com o auxílio de uma equipe que fica num estúdio de TV, com acesso ao replay de imagens da partida, obtidas de vários ângulos e em várias velocidades de reprodução.

O uso do VAR, inaugurado no mundo em 2016 e no Brasil em 2017, se aplica a 19 situações de jogo, entre elas: gols, pênaltis, cartão vermelho direto e erro de identificação de jogadores na aplicação de cartões.

O VAR tem sido muito criticado por alguns narradores, comentaristas, técnicos e jogadores aqui no Brasil. Tem-se falado em redução da autoridade do juiz ou dos auxiliares. Penso que, na verdade, ocorre o contrário: quanto mais você erra, menos autoridade você tem. Quando menos erros você comete, mais cresce a sua autoridade. Como o VAR reduz drasticamente o espaço para erros na atuação dos árbitros (sejam eles bem ou mal-intencionados), penso que ele só contribui para o aumento da autoridade de juízes e auxiliares.

O VAR não é outra coisa que não isso: o futebol lançando mão dos instrumentos mais precisos disponíveis para reduzir o número de decisões infames. Um dia a solução encontrada foi colocar três juízes em campo. Esse número depois seria aumentad0 para seis. Hoje, o uso do vídeo parece ser a melhor ferramenta disponível. (O futebol está atrasado nisso. O vôlei e o basquete, bem como a maioria dos outros esportes, já usam desse tipo de recurso faz tempo.)

Penso que em breve nos perguntaremos como fazíamos quando dependíamos de um árbitro, nem sempre com a melhor colocação possível dentro do campo, auxiliado por bandeirinhas correndo em paralelo à jogada, a 30 ou 40 metros do lance, para tomar sozinho todas as decisões cabais em uma partida.

E logo adiante, é possível que tenhamos chips em todos os lugares – na bola, nas traves, nas linhas do campo, nas chuteiras e no uniforme dos jogadores. E o próprio VAR, que reduz a influência da interpretação humana, mas ainda depende dela, venha a ficar obsoleto. Num mundo em que os carros não precisarão mais de motoristas, é apenas lógico que as competições esportivas também não precisem mais de um juiz.

Tem-se falado também que o recurso do VAR interrompe a partida por um tempo longo demais. Discordo. Primeiro: a decisão correta, escorreita, inatacável, a melhor decisão possível sobre um lance polêmico, vale um ou dois minutos. É um preço barato a pagar para corrigir injustiças históricas, eternas, impossíveis de reverter. Dois: o próprio tempo de decisão acrescenta um tanto de suspense, tensão e sofrimento ao espetáculo. Sim, o VAR, mesmo em seu aspecto menos eficiente, agrega valor ao camarote.

Parece inegável, portanto, que a revisão dos lances com o auxílio de vídeo, hoje, seja uma coisa boa. Desde, é claro, que você considere que a diminuição de erros em jogadas que podem decidir uma partida – e muitas vezes a classificação ou a eliminação de um clube, ou a decisão de um campeonato – seja uma coisa boa.

A única coisa que sai de cena com o VAR é a chance de um juiz estragar tudo. Lembram do Brasileiro de 2005, numa partida decisiva, em que Tinga, jogador do Inter, sofreu um pênalti escandaloso de Fabio Costa, goleiro corintiano, e além de não ter o pênalti marcado, ainda foi expulso, numa inversão completa de valores, num dos maiores absurdos (mas longe de ser o único) perpetrados pela arbitragem no Brasil? Com o VAR, aquilo dificilmente teria acontecido.

O VAR, portanto, só é ruim para quem gosta de zonas cinzentas (que normalmente favorecem os maiores e mais fortes, e prejudicam os menores e mais fracos), de situações sendo decididas no grito ou de forma emocional – ou com má-fé. Se você tem essa nostalgia, ou esse amor, pelo futebol como um terreno que alterna momentos de amadorismo com situações de franca bandidagem, bem, aí faz sentido que você se oponha ao VAR.

Assim como, se você imagina que a graça do futebol está justamente no erro, e no tanto que esse esporte sempre permitiu injustiças, não apenas aquelas relacionadas aos negócios escusos, mas também aquelas geradas no terreno da boa-fé, a partir de decisões tomadas com base na imprecisão, em fazer de qualquer jeito, de modo rápido, precipitado e burro, bem, aí você terá, sim, que virar o nariz para o VAR.

Como o VAR objetiva tudo, e torna as decisões muito mais transparentes, e as força a serem mais lógicas e mais corretas, ele acaba com o nosso conforto de achar um culpado fácil para as nossas eventuais derrotas e com o nosso vício de fabricar vilões que expiem as nossas próprias fraquezas. As mães dos bons juízes, que são maioria, agradecem desde já. E nós teremos que encontrar outros coros que deem vazão às nossas frustrações, ao nosso vitimismo e à nossa sanha de justiçamento sumário.

Ao discutirmos o VAR, estamos, no fundo, discutindo qual é o valor da correção e da precisão entre nós. O quanto estamos dispostos a fazer a coisa certa. E a paciência que estamos dispostos a dedicar, ou não, para chegar às melhores decisões, as mais justas e mais acertadas.

Da mesma forma, ao criticarmos o VAR, estamos, no fundo, criticando o futuro. E nos agarrando ao passado. Estamos dando um beiço à inovação, em nome da nostalgia de continuarmos fazendo as coisas do jeito que sempre fizemos – mesmo que esse jeito esteja obsoleto e ultrapassado.

 

Adriano Silva é jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico, na TV Globo.

Sobre o Autor

Jornalista e empreendedor, CEO & Founder da The Factory e Publisher do Projeto Draft. Autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores. Foi Diretor de Redação da Superinteressante e Chefe de Redação do Fantástico.